Que venham seus olhos, suas mentes, suas vozes e através de suas interpretações modifiquem minhas intenções iniciais.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Lugar

Eu vou voltar
Por mim
Por poesia
Pelo meu anonimato
Obscuro, abafado
Não digo incompreendido
Apenas ignorado

A cabeça calejada
Traumas armazenados (não os toco mais)
O corpo mais debilitado
Um vazio quase sempre presente
Pelas minhas conquistas que não me completam

A palavra, “mediano”, me persegue
Não estou no topo
Nem no nível mais baixo
Sei que não sou o maior sofredor desta terra
Mas não posso deixar de sentir minha dor
Para aliviar a dor de quem sofre mais do que eu agora

Eu vou voltar
Para este lugar incomum
Onde não encontro ninguém no momento
Mas por aqui alguém passou
Vejo rastros, pistas

Estou aqui neste lugar
Que não me leva a outros caminhos
Aqui estou, talvez...
Por ser bem quisto por alguém

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A quatro mãos

Sempre que estou neste estado
Imprecisamente ao meu lado
Sempre me sinto sozinho
Sempre em meu próprio caminho

É difícil, porém o que não é?
Difícil, Facílimo, Inato
Meu próprio prato

Meu pensamento volta-se à mim
Minha percepção se volta à minha respiração
À partir daí, respiro diferente então
E quando esqueço de mim, volto à respirar
Com a freqüência que minha vida exige

E se me sinto aliviado
Estou do lado errado?
Não evito o que me vem
Nem conflito o que convém

Simplifico a vida
da maneira que ela se impõe
A sede termina
no contato da boca com um copo d'água
O sorriso surge
quando um sorriso é ofertado
Um carinho emerge
quando a mão se torna o objeto de um afago

A. Delfin / Osmar Souza

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A casa da árvore

O concreto arquitetado
Por maquiagem de gesso
Pela beleza consagrou-se
Intacto foi mantido
Enquanto os arredores demoliram

A raiz centenária
Foi mantida no mesmo pátio
Por proteção da lei e bom senso
Os carros perderam uma vaga

Choram os fantasmas
Lágrimas mais leves que o ar
O vento cria sons
Entre telhas e galhos

A mão do operário construtor, não fará a reforma
O pássaro que transportou a semente
Não viu o crescimento fabuloso
Choram os fantasmas que perfuraram o alicerce

O respeito em manter
O que não precisa ser alterado
A necessidade de desfazer
Torna o futuro raso


* Este texto foi escrito há alguns anos, na época percebi que no estacionamento do então recém-inaugurado Shopping Internacional Guarulhos foram poupados uma árvore enorme e um casarão antigo e muito apreciado pela população. Na ocasião fiquei comovido com a atitude de não derrubar estes dois elementos de grande beleza. Mas não sabia que na verdade os proprietários do Shopping estavam tentando autorização para derrubar a casa e que no final de 2010 depois de anos de tentativas finalmente conseguiram! Jovens ligados a movimentos artísticos da cidade promoveram um protesto discreto em defesa da preservação da casa, o que não impediu que a ela fosse abaixo. Essa autorização está sob suspeita em relação à sua legalidade e está sendo investigada, mas infelizmente, mais uma vez, a história pouco valorizada de cidade foi desrespeitada e nesse caso destruída para abrir vagas a alguns carros, ou ainda, servir de demonstração do poder que algumas famílias ditas tradicionais ainda exercem em Guarulhos.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Amor mútuo

Sábado à noite
Eu em um percurso rotineiro
Um flash me chama a atenção
Olho em direção ao prédio onde funciona um buffet
Na entrada da recepção
Vejo de costas um casal de noivos
Para mim, apenas um momento de um dia
Para eles algumas poses para que a eternidade fotográfica
Registre um dos momentos mais importantes de suas vidas

Dentro do salão quase duas centenas de familiares e convidados
Então decido usar meu poder sobrenatural
Invado a mente de alguns que observavam a entrada dos recém-cônjuges:

*A mãe da noiva, chora de emoção ao lembrar que a sua gravidez indesejada quase se tornara um aborto
*O pai do noivo, respira aliviado, pois o filho nunca havia apresentado-lhe uma namorada, temia ter trazido ao mundo um filho gay
*O melhor amigo do noivo, sorri forçosamente, sua paixão secreta pelo amigo estaria trancada para sempre
*A tia da noiva, lembra-se do último namorado que desprezou quinze anos antes
*A prima do noivo, lembra das brincadeiras sexuais daqueles verões longínquos passados na chácara da família
*Um dos padrinhos da noiva, pensa na prestação que vencerá em breve devido ao presente obrigatório
*O dono do buffet alerta ao metre que tem “dez cabeças” acima do combinado
*A avó do noivo, portadora de Alzheimer, com o olhar vago, tenta se lembrar se é avó do rapaz ou da moça que está se casando
*O primo alcoólatra da noiva, que não foi convidado, sua ao ver a garrafa de uísque que está dando sopa no balcão do bar
*O irmão do noivo está com o braço direito sobre o ombro da esposa, enquanto que a mão esquerda acaricia por baixo da mesa as coxas da cunhada de seu irmão

E os noivos, sob os aplausos de quase todos, entram sorrindo e nervosos pelo corredor florido do salão de festas, encaram as pessoas, mas a emoção não os deixa reconhecer ninguém. Maquiagens pesadas escorrem, estômagos roncam, fraldas úmidas castigam e gravatas torturam

Eu com meu poder sobrenatural não consigo penetrar a mente do casal, uma energia me bloqueia e saibam que essa energia se chama amor mútuo.